quarta-feira, 21 de março de 2012

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Literatura > Análise de Obras > Dom Casmurro
 - Dom Casmurro. Machado de Assis
. Editora Ática.






 l A ambiguidade da narrativa Capitu traiu ou não traiu Livroclip Análise elaborada por Profª Edna Silva Polese Prof. Allan Valenza da Silveira Um tema imortal No romance Dom Casmurro, a temática ciúme funciona como mola propulsora para estabelecer a desconfiança do personagem Bentinho em relação a Capitu. A construção cresce aos olhos do leitor ao acompanhar a trajetória de Bentinho que rememora sua vida e reavalia os fatos para tentar entender o processo que levou seu casamento com Capitu ao fim. Desse modo, o leitor depara-se com os vários atos de Bentinho que são processados como construção para que o personagem pudesse ter certeza de que sua esposa o enganara. No entanto, a maestria da narrativa machadiana não confirma a infidelidade de Capitu. Otelo e Desdemona em Veneza" por Théodore Chassériau (1819 - 1856) É possível estabelecer o diálogo literário entre o romance de Machado de Assis e outras obras literárias que tratam do tema ciúme. 


A ambigüidade da narrativa
A narrativa de Dom Casmurro se desenvolve em restrospecto, pois Bentinho, o segundo personagem principal, avisa ao leitor que deseja atar as duas pontas de sua vida. Portanto, já está velho e casmurro quando inicia essa empreitada. O título da obra liga-se de uma brincadeira feita pelos amigos de Bentinho que consideram conveniente o apelido de “Dom Casmurro” devido a seu permanente estado de reclusão, vivido desde o fim de seu casamento.
A história se passa entre a metade e o final do século XIX no Rio de Janeiro. A primeira parte do enredo narra a infância, adolescência e a fase adulta dos protagonistas – Bentinho e Capitu. Portanto, apresenta ao leitor a aproximação, o namoro inocente e o casamento dos personagens. A narração desses acontecimentos recebe o toque folhetinesco próprio dos romances da época: o casal passa por várias atribulações do destino para alcançarem, enfim, a felicidade.
As adversidades entre o casal se iniciam com a morte de Escobar, amigo dileto do narrador, pois o olhar que Capitu dirigiu ao cadáver foi o estopim que despertou a desconfiança em Bentinho. Desse modo, ao construir a narrativa, rememorando fatos de sua vida, o personagem questiona todos os atos de Capitu, desde os mais pueris, para provar que ela era adúltera: o maior indício que Bentinho apresenta é a profunda semelhança física de Ezequiel, seu filho, com o falecido amigo, Escobar. A narração dos fatos é conduzida como um processo de acusação – sempre é bom lembrar que Bentinho era bacharel em Direito.
A conseqüência dessa técnica narrativa é a ambigüidade. Por mais que o leitor concorde com Bentinho e por mais que ele apresente provas irrefutáveis contra Capitu, a incerteza e a dúvida pairam no ar. Se a narração fosse em terceira pessoa, provavelmente acabaríamos por teria narrador onisciente (a par de todos os pensamentos dos personagens). Em Dom Casmurro o leitor não acompanha os pensamentos de todos os personagens, mas tende a aceitar o que Bentinho conta sobre eles e, em especial, Capitu, que é apresentada mediante determinado plano, juízo específico e interpretação do narrador.
Machado de Assis
Fabrício Marcelino Soares/Positivo Informática
Tal estratégia marca a complexidade e domínio de técnica narrativa de Machado de Assis, que ao apresentar um tema recorrente do Romantismo, articula-os aos moldes realistas. O cuidado, no âmbito do delineamento psicológico, com que arquiteta cada averiguação de Bentinho sobre os atos de Capitu não deixa brecha para uma construção sentimentalóide. A ironia e o sarcasmo – bastante evidentes em obras como Memórias póstumas de Brás Cubas – também estão presentes na narrativa de Dom Casmurro, porém esses traços são mais sutis em virtude de seu personagem apresentar-se com um ser profundamente atormentado.

                                   







Capitu traiu ou não traiu
A obra Dom Casmurro imortalizou determinados símbolos utilizados de maneira metafórica pelo seu criador para a construção dos personagens. Novamente o foco é Capitu. O mar, representativo da figuração de traiçoeiro, é evocado para representar a imagem complexa do personagem. Os “olhos de ressaca” remontam a esse estado do mar que, quando em ressaca, um fenômeno natural, puxa tudo o que alcança, causando destruição. Também sobre os olhos de Capitu é usada a imagem de “cigana oblíqua e dissimulada”, unindo a ela adjetivos que correspondem a pessoas de temperamento fugidio e falso. Ambas as construções, no interior do romance, são formuladas pelo personagem José Dias, agregado da casa dos Santiago.
Todas as construções acerca de Capitu ajudam a marcar sua figura viva, humana e complexa. Como representante histórica de seu tempo, ela é arquétipo das meninas pobres que procuram ascender de classe social a partir de um bom casamento, façanha quase sempre arquitetada com esmero e profundo interesse.
Muitos anos se passaram da criação da obra e a dúvida sobre a infidelidade de Capitu permanece. A ambigüidade da narrativa machadiana ainda colabora com a movimentação que envolve seu personagem mais complexo. Críticos e escritores contemporâneos, numa espécie de tribunal literário, apresentaram a provocativa pergunta: Capitu traiu ou não traiu? Dalton Trevisan, em análise rápida e irônica, registrou: “Se Capitu não traiu Bentinho, então Machado de Assis é José de Alencar”. Fez referência, ainda, ao personagem machadiano na obra Capitu sou eu, uma alusão clara à famosa frase que Gustav Flaubert usou para se defender de moralistas de época sobre sua famosa Madame Bovary, conhecido personagem adúltero.
Outros foram adiante. É o caso do escritor Domício Proença Filho, que elaborou um romance a partir do ponto de vista de Capitu sobre os fatos.Capitu, memórias póstumas utiliza-se do próprio texto machadiano para, a partir das mesmas afirmações de Bentinho, inverter o conceito do leitor sobre a situação de adultério a que foi submetida. Também emAmor de Capitu: o romance de Machado de Assis sem o narrador Dom Casmurro, de Fernando Sabino, há uma outra visão sobre o caso de suspeita da traição de Capitu. Como é possível perceber, tal questão continua ocasionando discussões, prova concreta de que personagens, quando bem elaborados, aproximam-se da figura humana em toda sua extensão, no que se refere à idéia de que jamais se conhece uma pessoa completamente. Ao leitor, cabe encontrar sua própria conclusão.


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